sábado, 10 de janeiro de 2015

Só existe desilusão quando existe ilusão

Ele está cansado. Verdadeiramente exausto. Sem forças para se mexer. Sempre foi assim: quando tem uma discussão, fica com as pernas bambas e fica com a sensação que foi atropelado por um camião. Percebe que precisa de um banho. E perde a noção do tempo debaixo do chuveiro. A água mistura-se com as suas lágrimas, resultantes de um misto de tristeza, de revolta, de mágoa, de desilusão. Mas não quer que ninguém o veja chorar, por isso esconde-se naquele momento de intimidade, onde a nudez do seu corpo reflecte também a nudez da sua alma. Os pensamentos atropelam-se, misturam-se, confundem-se. Tudo lhe parece vago, demasiado vago para quem precisa de tantas respostas. Conclui que o mundo é cruel, que tão depressa lhe atira com a bóia de salvação como o deixa morrer afogado naquele mar de perguntas.

Ali se deixa ficar. Resguardado dos olhares curiosos de quem lhe espera toda a força do mundo, mesmo quando essa força não existe. Ali está ele, imóvel, debaixo da água quente que sai do chuveiro. Com o olhar perdido e sem vontade de enfrentar a crueldade da vida. Ali está ele, desejando voltar atrás no tempo. Para o tempo em que se sentia feliz, em que as coisas faziam sentido.

Sai finalmente do banho. E a toalha ganha um novo significado. Não é apenas uma toalha: é uma capa que o protege. Ao sair do banho, sai também da intimidade dos seus pensamentos. Está na hora de voltar a vestir a capa de forte, o falso sorriso de "que se foda o mundo". Percebeu finalmente que não se pode mostrar a ninguém. É mais forte quando não deixa que ninguém vislumbre o que o enfraquece. Porque o seu ponto fraco é o coração. E esse agora fica fechado, refém de si próprio, sem ver a luz do dia. É melhor assim. Porque ninguém ataca aquilo que não vê.

Ficção

2 comentários:

  1. "A água mistura-se com as suas lágrimas, resultantes de um misto de tristeza, de revolta, de mágoa, de desilusão" - isto podia ter sido eu.
    Grande texto!

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    Respostas
    1. Também podia ter sido eu...
      Sempre disse que os meus textos de ficção têm sempre o seu quê de realidade, regra geral...
      E hoje deu-me para escrever. Aliás, passei o dia quase todo a escrever... Para o blog, mas não só...

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