sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Super-heróis? O meu não usava capa, mas nenhuma história da Marvel lhe faria jus!

Se o meu pai fosse vivo, teria completado mais um aniversário esta semana.
E, este ano, isto está a mexer mais comigo do que é habitual...
 
Talvez por este 2020 estar a ser tão atípico, ando mais sensível com estas questões. Ultimamente tem sido muito difícil falar do meu pai sem me virem as lágrimas aos olhos.
 
Sempre tive uma relação fantástica com os meus pais. Uma relação muito franca, muito aberta, muito verdadeira. Mas o meu pai era mais "compincha", sobretudo a partir da recta final da adolescência. A minha mãe sempre foi mais mãe, era e é uma verdadeira matriarca. Tem um sentido maternal muitíssimo apurado. Com o meu pai, era uma relação um bocadinho diferente. E sempre tive uma ligação muito grande com o meu pai porque sou muito parecido com ele, na personalidade e na aparência - dos três filhos, sou o mais parecido.

E sinto muito a falta dele... Sempre, todos os dias, nos últimos 5 anos. Mas ultimamente ainda mais.

Não consigo evitar as lágrimas quando penso que nunca mais terei o meu pai a assistir aos momentos mais importantes da minha vida. Se conseguir vingar naquilo que mais amo fazer, ele não vai estar cá para ver... Quando o nosso Sporting for campeão novamente, não vou poder comemorar esse momento com ele como fizemos em 2000 e em 2002... Também não vai conhecer a mulher que me dê a honra de fazer parte da sua vida... Também não vai conhecer os filhos que possa vir a ter, não vai poder vê-los crescer... Os meus filhos não conhecerão o avô, uma das pessoas que fez de mim o que sou, uma das melhores pessoas que este mundo já conheceu - mas, garantidamente, se eu for o pai que acredito e sei que vou ser, vou dizer sempre com todo o orgulho que aprendi com o melhor e que ainda assim não lhe chegarei aos calcanhares...

Independentemente de tudo, há uma certeza que levo desta vida: tive/tenho a melhor família que podia desejar. Cresci rodeado de amor, afecto, carinho. Há toda uma corrente de parentalidade que existe em larga escala hoje em dia, mas que não era assim tãoooo comum nos anos 80, quando nasci. Cresci com uma noção de liberdade sempre aliada à responsabilidade; cresci num ambiente de parentalidade positiva, mas com os limites sempre bem definidos - e se os passasse, havia consequências; cresci com uma noção de respeito pelo outro, de civismo, de igualdade de género, de tratar bem as mulheres, de tratar bem os mais velhos, de saber fazer toda e qualquer tarefa doméstica porque "não há cá o 'eu ajudo', todos vivemos aqui portanto a responsabilidade de fazer as coisas é de todos". 
 
E, coisa tão rara (e durante alguns anos, não tive a real noção do privilégio que tinha), cresci num ambiente saudável de amor e harmonia. Os meus pais foram completamente apaixonados um pelo outro até ao último dia de vida do meu pai - e não tenho dúvidas que a minha mãe ainda continua a ser completamente apaixonada por ele. Nunca deixaram a chama morrer e faziam questão de, mesmo com 3 filhos, ter os momentos só deles - por exemplo, jantavam só os 2 religiosamente pelo menos uma vez por mês, acontecesse o que acontecesse. Claro que tinham as cenas deles, como qualquer casal! Faz parte da vida em comum! Mas nunca houve uma discussão à minha frente ou à frente dos meus irmãos! Nunca vi mais do que embirrações soft e momentâneas! Claro que sei que tiveram momentos complicados, mas isso nunca transpareceu para nós. E também sei que nunca se deitavam chateados - e acho isso tão essencial, que gostava de replicar isso quando lá chegar... E, enquanto filho, tive os pais mais presentes e afectuosos que podia pedir. Na minha casa nunca houve problemas com afectos, com demonstrações de carinho - nunca me senti constrangido, como acontece com muitos gajos, em cumprimentar o meu pai com um beijinho, nem na adolescência nem em adulto! Amava e amo os meus pais, sempre foi absolutamente normal para mim cumprimentá-los com carinho e afecto!

O meu pai partiu demasiado cedo. Demasiado novo, e demasiado cedo para uma família que ainda precisava tanto dele. E partiu tão repentinamente que foi um choque para todos... Foi o maior choque da minha vida e fiquei a bater mal (mesmo mal) durante algum tempo... Embora saibamos que, à partida, poderá ser a lei da vida, nada nos prepara para perdermos um pai ou uma mãe... Durante anos, eu nem pensava nisso, era coisa que não me passava pela cabeça, achava que era um cenário tão longínquo... Comecei a pensar mais nisso e a ficar com medo de perder os meus pais quando tive uma namorada que não chegou a conhecer a mãe, porque faleceu quando ela era ainda bebé - e isso obviamente marcou-a para o resto da vida, foi uma ferida que ficou para sempre, e a dor que se carrega quando somos miúdos e temos que fazer uma prenda para o Dia do Pai ou Dia da Mãe e não temos essa pessoa foi uma dor que só comecei a compreender depois de conhecer essa minha ex (lá está, durante anos eu não pensava sequer na hipótese de perder os meus pais). A partir daí, começou a crescer em mim um certo receio, sempre no meu interior, do dia em que isso pudesse acontecer. Eu sabia que não ia saber lidar com isso - lido muito mal com perdas, sempre, e perder um dos meus pilares era algo que me assustava tanto...

E no dia em que isso aconteceu, a minha vida nunca mais foi a mesma... Há um Roger antes de 2015, e um Roger depois. Depois de perder um pilar, nada mais é igual. E nunca se esquece, nunca. A saudade fica para sempre, passem os anos que passarem. E a dor da perda também. "O tempo cura tudo" - não, não cura. Aprendemos a viver com a dor, aprendemos a viver com a saudade, aprendemos a lidar com a falta - a vida tem que continuar, e continua, mas incorporamos tudo isso na nossa vida. A saudade não vai desaparecer, nem eu vou camuflá-la. Ela existirá sempre, uns dias de forma mais consciente, outros de forma mais inconsciente, mas fica para sempre.

Para um não-religioso como eu, acho que lidar com a morte é mais complicado do que para um religioso. Acho que as crenças que derivam da religião em relação à morte acabam por atenuar um pouco a dor. Há a tendência de acreditar que "foi para um sítio melhor" e que "um dia voltaremos a encontrar-nos". Para quem não é religioso e não acredita nisso, é mais complicado. Um não-religioso vê a morte como uma finitude definitiva, que não é minimamente reversível, que não há um "depois" ou uma "outra vida". 
 
Mas se eu estiver enganado e se eu for um idiota chapado por não acreditar que há um depois, espero que, quando reencontrar o meu velhote, depois do abraço, ele me dê um calduço e me diga "oh chouriço, achavas mesmo que eu não ia estar aqui para te abraçar novamente? achavas mesmo que te ia abandonar?".
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