domingo, 19 de abril de 2020

Notas de uma quarentena #1

Poderia começar com um "então, pessoal, como vai essa quarentena?". Mas devo ser a única alminha por aqui, portanto vou-me escusar de fazer figuras ridículas - hoje já ninguém lê blogs, já ninguém escreve em blogs... E, por um lado, isso é bom para mim neste momento. É como voltar aos meus primórdios blogosféricos: não lia ninguém, ninguém me lia, e escrevia apenas para mim - e deixava as minhas memórias escritas e eternizadas, o que é fixe. Tem a sua piada reler coisas que escrevemos há não sei quantos anos, perceber o nosso crescimento e como vivenciámos as coisas por que passámos.

Já não escrevia há muito tempo. Não só aqui no blog: não escrevia de todo. Nos últimos meses, parece que fui perdendo a capacidade de o fazer. Mas preciso de o fazer agora.

Estou em casa há mais de um mês. Completamente em casa. Sem idas ao supermercado, sem "passeios higiénicos" (que raio de denominação), nada. Zero. Porque pertenço ao grupo de risco, dados os meus problemas cardíacos (inclusive tenho pacemaker). E estou a fritar a pipoca. Mesmo. O que já me levou a recorrer a aconselhamentos diversos, para ver se consigo manter a pouca sanidade mental que me resta. E foi precisamente aí que me sugeriram voltar a escrever. Mandar cá para fora tudo o que me aflige. Escrever é terapêutico, para mim sempre o foi, mas nos últimos tempos esqueci isso...

O filho da puta do Covid já me levou 2 coisas neste momento: a liberdade de viver em pleno, e o trabalho. Sou trabalhador independente há pouco mais de 1 ano... No início de 2019 decidi lutar pelo meu sonho mais antigo e decidi enveredar pela produção musical. Investi as minhas poupanças de mais de uma década de trabalho em prol de um sonho. Dei o salto mais arriscado da minha vida. Antes, trabalhava por conta de outrem e não estava nada mal na vida: não só estava efectivo como havia sido promovido há uns anos, e ganhava muito bem, umas boas centenas de euros acima do salário médio nacional. E gostava do que fazia! Mas fazer música sempre foi a minha grande paixão... Toco guitarra há tantos anos como sei ler e escrever, integrei várias bandas, fazer música sempre me foi tão natural e imprescindível como respirar. Em 2016, comecei a pensar mais a sério na música, e o bichinho maior era o da produção. O que eu gosto mesmo é de criar música - embora o palco dê uma adrenalina inexplicável, mas para mim a verdadeira magia é o "behind the scenes". Isso é que faz os meus olhos brilharem! E fui preparando terreno para fazer a maior loucura da minha vida: despedir-me e lançar-me sozinho às feras. Investi milhares de euros em equipamentos, em instrumentos, em espaço, em tudo o que era necessário. E assim nasceu o meu estúdio.

E nisto veio o Covid-19... Devido a ser cardíaco (e já tive sustos suficientes na vida para ter a noção que, se o bicho me pega, dificilmente o meu coração aguenta uma insuficiência respiratória), ainda antes do estado de emergência e do fecho das escolas, já eu tinha decidido fazer uma quarentena profilática. Mas ainda havia pouquíssimos casos em Portugal, e zero casos onde vivo! E portanto acho que não tinha, no início, a real noção do que isto seria. Pensei "ok, 2 ou 3 ou 4 semanas em casa... e depois tudo voltará à normalidade". Ingenuidade minha, claro... Claramente estava em negação... É óbvio que um vírus altamente contagioso e potencialmente letal para pessoas como eu não desaparecia em semanas...

E, 5 semanas depois, aqui estou eu... Completamente recolhido em casa, sem qualquer saída registada nestas 5 semanas. Conto com a imprescindível e incansável ajuda dos colegas de casa para compras - e eles têm sido impecáveis, tendo todos os cuidados quando chegam a casa. Acho que ainda têm mais medo do que eu - e olhem que eu tenho muito.

Admito, sem vergonha nenhuma, que estou borrado de medo. E que estou completamente na merda. Sou de risco, estou fechado em casa, estou longe da família, duas das pessoas que mais amo na vida são igualmente de risco, e estou sem trabalho por tempo indeterminado... Morro de medo por mim, pela minha saúde, mas também pelos meus. O Covid já me levou o trabalho e a liberdade, e morro de medo que me leve também alguém... E estar sem trabalho está a fritar-me completamente... Não sei como vou sobreviver nos próximos meses, não vou conseguir fazer face a todas as minhas responsabilidades... Vou estar com a corda na garganta durante muito tempo - e provavelmente vou ter que mandar o sonho com o caralho, porque o romantismo tem que ser substituído pelo pragmatismo...

De modos que é isto... E não só, mas o resto agora, para o caso, não interessa... Estou absolutamente na merda, profissional e pessoalmente. E morro de medo da merda do vírus... Morro de medo que o bicho me leve ou a algum dos meus... Têm sido muitas as lágrimas nas últimas semanas... Lágrimas de medo, lágrimas de desespero, lágrimas de indefinição...

Não sei muito bem o que hei-de fazer à minha vida... Nem tenho forma de saber, e é essa incerteza que me consome! Não sei quando tudo isto irá passar, ninguém sabe! E, para alguém que sofre de ansiedade, a incerteza também mata...

(não sei se vou ganhar o hábito de voltar aqui regularmente, talvez o faça... pode ser que ajude, mandar tudo cá para fora...)

2 comentários:

  1. Pelo contrário, meu caro! Sobretudo devido à quarentena os blogues estão a brotar com posts novos, como cogumelos selvagens! ;)

    Neste momento ninguém sabe ao certo o que fazer. A única coisa que prometi a mim mesmo foi não fazer o que tu fizeste: pensar na minha situação actual e temer o futuro.
    E custa tanto tentar fazer isto, mas a verdade é que raramente me tem quebrado o espírito e deitado mesmo abaixo.

    O FM já perdeu a piada? Eu sei.. já nem consigo jogar...

    Dirte-ia: arranja um aquário! Eu tenho 5 e têm ajudado bastante :))
    Mas eu sei que não é assim simples.

    O remédio para não desesperar? não sei. Sei que às vezes estar perto dos que mais amas também não é A SOLUÇÃO, porque a malta irrita-se uns com os outros e os que mais amas são também aqueles que têm o grande poder de te tirar do sério.

    Vamos esperar para ver. Tenho a certeza que o mundo vai mudar e todos teremos de nos readaptar. Mas nunca, em caso algum desistir! ;)
    Fui claro? :)

    Grande abraço, meu caro. Sê bem vindo de volta!
    (lá se foi aquela ilusão de "ninguém me lê e tal...")

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