Durante a maior parte da minha vida, sempre fui uma pessoa de fácil demonstração de sentimentos e afectos. Sempre fui muito transparente e não era difícil perceber se estava bem ou se estava mal. Bem como não tinha muita dificuldade em desabafar, em extravasar o que sentia. Todas as minhas fragilidades estavam à mostra (o que por vezes me trouxe dissabores). Claro que não falava de tudo com qualquer pessoa. Falava com grandes amigos, sobretudo. Mas desabafava com facilidade. Porque me fazia bem, tirava-me grande peso de cima dos ombros. Durante a maior parte da minha vida, facilmente combinava estar com amigos só para conversar, só para desabafar; só para dizer umas caralhadas enquanto se soltavam umas lágrimas, para depois acabar a conversa mais leve e já a sorrir.
Um dia, isso mudou um pouco. Foi quando perdi o meu filho (para quem me segue há pouco tempo, um breve resumo: já estive para ser pai mas a minha namorada da altura teve um aborto espontâneo aos 6 meses de gravidez). Na altura entendia que, acima de tudo, tinha que dar força à mãe do meu filho, que estaria certamente mais devastada que eu. Por isso guardei muitas vezes para mim a tristeza que sentia, porque queria apoiar a Carolina. Hoje vejo que se calhar não foi o mais correcto para o meu bem-estar: acabei por não fazer o luto que devia ter feito, não chorei tudo o que devia ter chorado nessa altura, e como tal nunca superei correctamente a dor.
Mas a grande mudança ocorreu mais tarde... Um dia conheci uma pessoa com quem criei imediatamente uma grande ligação. O que inicialmente era empatia, rapidamente se transformou numa grande amizade (e mais tarde num grande amor, mas isso são outros quinhentos). Éramos demasiado parecidos em tanta coisa (em quase tudo, no fundo), que nos sentíamos completamente à vontade para falar sobre tudo (e quando digo tudo, era mesmo tudo). Essa pessoa foi, durante alguns anos, a pessoa que eu considerava, sem dúvida alguma, a minha melhor amiga. Não havia qualquer tipo de desconforto a falar fosse do que fosse, e como tal eu sentia que tinha ali um porto seguro. Essa pessoa conheceu-me como acho que mais ninguém me conheceu na minha vida. Como disse mais atrás, essa amizade acabou por evoluir para amor. Mas esse amor teve um fim. Esse fim não foi bonito e perdeu-se a amizade também. Hoje em dia, não falamos, não sei nada dela. Isso foi o que mais me custou: mais triste que o fim de um namoro, é o fim de uma amizade. Não exagero, garanto, quando digo que naquela altura perdi metade de mim. Porque nunca mais fui o mesmo.
E daí surge este post... Estou numa fase em que precisava de desabafar muita coisa. Precisava de deitar cá para fora medos, receios, desilusões, mágoas, tristezas, raivas, ressentimentos. Tudo o que nomeei são sentimentos que, a meu ver, nos destroem enquanto pessoas. E que, quando acumulados, acabam por nos tornar pessoas piores, amarguradas até. Só que... Perdi a capacidade de desabafar... Nunca mais fui o mesmo... Mesmo quando puxam por mim, pouco mais consigo dizer do que "oh, esquece, isto já me passa"... Porque um dia houve alguém que partiu levando metade da minha alma. Esses tempos foram difíceis, estive cerca de 2 anos mesmo no fundo do poço e demorei a sair de lá. Mas a minha reconstrução como pessoa está longe de estar concluída. E há coisas que eu acho que se perderam irremediavelmente para sempre... Porque já não consigo confiar cegamente como em tempos já confiei. Porque já não consigo expor as minhas fragilidades (é aquele medo irracional de ser atingido em cheio onde dói mais). Porque já não consigo falar do que sinto com a mesma leveza. Porque (e aqui corro o risco de ser injusto para algumas pessoas - desculpem!) sinto que não há ninguém que compreenda exactamente aquilo que digo e que sinto.
Se calhar para algumas pessoas, ter aprendido a "desemerdar-me" sozinho, a lidar com os problemas sozinho, foi um amadurecimento. Sim, é verdade que hoje sou uma pessoa mais forte do que era. Talvez até mais confiante. Mas tornei-me estupidamente desconfiado. E ninguém vive sozinho, right? Todos nós precisamos de ter pessoas em quem confiamos. E eu confio nos amigos que tenho, mas deixei de me sentir à vontade para me expor por completo, para deixar a nu todas as minhas fragilidades e receios. Ter passado pelo fundo do poço tornou-me uma pessoa melhor em alguns aspectos, mas uma pessoa pior noutros.
Nas últimas horas, senti vontade de desabafar. Mas não fui capaz de o fazer. Com ninguém. Nem mesmo com aqueles que puxaram por mim. Isolei-me. A única pessoa com quem seria capaz de falar já não faz parte da minha vida há muito tempo. E a verdade é que me faz falta... O amor já foi ultrapassado há muito tempo, para bem da minha sanidade mental. Mas a amizade nunca deixou de me fazer falta. Porque com ela não havia filtros. Mesmo que eu estivesse a dizer o maior disparate do mundo, saía tudo cá para fora, sem filtros nem preocupações. E do outro lado tinha um abraço, um raspanete, um abanão, um ombro. Tinha aquilo que fosse preciso, mas tinha algo. E a verdade é que eu passei do 8 ao 80, ou neste caso do 80 ao 8: passei de ser alguém de fácil exteriorização e verbalização de sentimentos, para alguém que vive os problemas na sua concha.
Eu não preciso de ninguém que "ande comigo ao colo". Só precisava de ser capaz de explodir em vez de acumular sentimentos negativos. Mas não me sinto capaz de o fazer. E a única pessoa capaz de me fazer falar...well, pertence a um passado mal resolvido. E eu odeio passados mal resolvidos, mas este nunca passará disso mesmo. Hoje em dia já não há margem para conversas, nem mesmo as circunstanciais, porque se fechou esse passado a sete chaves. Às vezes pergunto-me a mim mesmo porque é que ainda me custa ter perdido essa amizade. E também sei a resposta: porque dou MUITO valor à amizade. Para mim, os verdadeiros amigos são como irmãos: defendo-os e protejo-os até à morte, no matter what. Tenho muitos defeitos. Mas bom amigo é algo que sou, certamente. E por isso, posso garantir-vos que me doeu (e dói) mais perder alguns amigos que já perdi do que qualquer relação amorosa falhada da minha vida. Há quem diga que ninguém é insubstituível. Eu acho que toda a gente é insubstituível. Não há pessoas iguais. E com cada amigo vivemos momentos diferentes, temos conversas diferentes, até agimos de maneiras diferentes (porque cada pessoa tem a sua sensibilidade e a sua forma de estar na vida). E nenhum amigo substitui outro.
Não procuro substituto de ninguém. Só gostava de ter actualmente alguém na minha vida com quem eu não tivesse o mínimo problema de expor a minha alma. Mas acho que perdi irremediavelmente essa capacidade... Porque um dia saí tão magoado que agora a minha melhor defesa é nunca tirar por completo a carapaça...
PS - Desculpem o longo texto (se é que tiveram paciência para ler o testamento) e até o conteúdo do mesmo... Mas como disse aqui
neste post (clicar para abrir), o meu blog acima de tudo é o meu cantinho de desabafos. Faço paródias, tenho rubricas, até picardias há por aqui. Mas às vezes também sou lamechas, também tenho dias complicados, também choro e também sofro. Nem sempre estou na brincadeira, nem sempre estou alegre, nem sempre estou na palhaçada. E este cantinho reflecte o que sou: os dias bons e os dias menos bons.