sábado, 6 de setembro de 2014

Primeira e provavelmente única vez que me vêem a escrever sobre uma novela

Não sou de ver novelas, nunca fui. Quer dizer, em miúdo talvez (lembro-me do Rei do Gado, por exemplo). Mas nunca tive esse hábito. Às vezes lá espreitava qualquer coisita, mas depois percebia o porquê de não ter esse interesse: irritava-me o formato. Irritavam-me os clichés, que se repetiam novela após novela: os ricos que se apaixonam pelos pobres, os amores impossíveis, os vilões que normalmente agem por amor ao dinheiro, ... Enfim, toda a clichézada possível e imaginária. E cujos finais eram sempre iguais: os vilões morrem ou são presos, os amores impossíveis tornam-se possíveis e a coisa acaba em casamento e com bebés a caminho, e por aí fora. Normalmente é essa a rota de uma novela, sendo que passa meses e meses a enrolar a história para se manter as audiências no horário nobre.

Às vezes, por curiosidade ou por companhia, lá via o último episódio de uma novela. E ficava sempre desiludido. Achava aquilo tão básico, tão fraquinho, que só espelhava o porquê de pouco se investir na cultura em Portugal: os projectos eram poucos ambiciosos e as pessoas estão formatadas para os clichés. Apesar de termos em Portugal alguns actores de enorme qualidade, esses actores eram (a meu ver) mal aproveitados, porque a TV dá aquilo que o povo gosta. E o povo gosta das histórias dos princípes e das princesas que são felizes para sempre. Sobretudo o público alvo das novelas, que normalmente são mulheres acima dos 45 anos. E a verdade é que, nos dias de hoje, a TV já não educa as pessoas, já não as faz pensar. Limita-se a dar o que as pessoas querem, as audiências vão demonstrando isso mesmo (não é por acaso que andamos há mais de uma década a insistir nos reality shows).

Hoje fui, pela primeira vez, surpreendido por um projecto de ficção desenvolvido em Portugal. Falo da novela Belmonte, que estava a ser transmitida na TVI. Novela essa que era seguida pela Inês, minha colega de casa. Mas nem por isso eu via. Se ela estivesse a ver a novela estando eu presente, eu alheava-me daquilo a fazer outras coisas (escrever aqui, jogar, ver notícias na net, whatever). Se espreitei meia dúzia de episódios foi muito. Contudo, no que espreitava, reconhecia alguma qualidade. Aparentemente parecia uma boa trama, que não enrolava muito.

Esta sexta-feira estava anunciado o último episódio dessa novela. Como era de esperar, "sôdôna" Inês quis ver e mandou-nos bugiar o MaisFutebol (programa emitido na TVI24 às sextas à noite, que o resto da malta cá de casa - eu incluído - gosta de ir vendo). Sendo o último episódio e já tendo reconhecido alguma qualidade ao pouco que tinha visto, deixei-me levar pela curiosidade e desta vez não me alheei e sentei-me no sofá a ver. Não acompanhei os meandros da história, mas sabia o básico para perceber quem eram "os maus" e "os bons". E estava à espera de mais uma clichézada, que neste caso específico incluía um casamento duplo que virou triplo, um vilão psicopata que quer estragar o dia, e as coisas do costume. E foda-se, não podia estar mais enganado.

Quando a novela parecia estar a acabar, de uma forma trágica (e tendo em conta os clichés, de forma até algo surpreendente - porque um dos "bons" estava a morrer), eis que há um plot twist, bem ao estilo do filme Shutter Island (sobre o qual já falei no blog). Afinal naquela novela não havia nem bons nem maus. Havia doentes mentais internados num hospital psiquiátrico, sendo que um deles decide "escrever um livro". E a história que ele escreveu foi aquela que foi sendo transmitida em todos os meses de exibição da novela, baseando-se nas pessoas com quem convivia diariamente no hospício. Transformou essas pessoas em personagens do seu livro, atribuindo-lhes histórias, famílias, dramas, amores, traços de personalidade. Basicamente, ficção dentro de ficção. A Inês, que seguia a novela, ficou de boca aberta literalmente (e eu ria-me que nem um perdido a olhar para ela lol), completamente surpreendida. Porque, segundo ela, nunca houve indícios ao longo da novela do que viria a ser o desfecho. Cá em casa, ficámos todos surpreendidos com o facto de finalmente se ousar fazer algo diferente na ficção nacional.

Quando acabou o episódio e nos pusemos a comentar quão brutal e "out of the box" tinha sido aquele final, eis que o João (colega de casa também) se sai com esta: "As mulheres que vêem isto devem estar todas baralhadas. Aposto que no Facebook devem estar a chover críticas." Diz isto e pega no PC. Juntámo-nos todos a ver os comentários no Facebook e só nos ríamos com a revolta (e burrice também, em muitos casos... a sério que houve quem não percebesse o final?!). Porque realmente Portugal só merece a lixeira televisiva que tem. Quando se tenta inovar e fazer algo diferente, cai tudo em cima. Porque pensar dá muito trabalho e é mais confortável assistir aos clichés do costume. É mais fácil pensar que no final da novela vai acabar tudo em bem e felizes para sempre. Portugal tem falta de cultura, é um facto! Por isso é que tudo o que foge à norma acaba catalogado como mau, quando no fundo é melhor do que o que é habitual. A noite terminou em risota total, porque de facto no Facebook era cada tiro cada melro: só pérolas (cada vez vou adicionando mais itens à minha lista mental de "motivos para não aderir a redes sociais" lol).

Como gajo não apreciador de novelas, só tenho a aplaudir a ousadia dos guionistas e de toda a restante equipa que apostou num final completamente diferente. Acho que esse devia ser o caminho a seguir, numa altura em que todos os canais transmitem meia dúzia de novelas por dia, todas muito iguais e trilhando o mesmo caminho. Há que marcar pela diferença. E sendo que a TVI é o real exemplo de uma programação televisiva que emburrece as pessoas, louva-se a iniciativa de, pelo menos uma vez na vida, fazer algo diferente que ponha as pessoas a pensar! Que se aposte mais neste tipo de projectos (como gajo da área audiovisual, neste tipo de projectos audazes até eu gostaria de trabalhar!). Que se mude o panorama televisivo em Portugal! É urgente que assim seja. Porque as novas gerações (a malta dos 40 anos para baixo actualmente, diria eu) não se identificam com o que passa actualmente na televisão. Temos um país envelhecido, sim, em que a programação televisiva é direccionada para esse tipo de público. Mas há que apostar noutros conteúdos! Porque os quarentões de hoje serão os reformados daqui a 20 anos e não se identificam com estas apostas televisivas em reality-shows, talk-shows da treta, novelas básicas e afins. Aposte-se em coisas diferentes, com menos lixo, com mais cultura, com mais inovação, com mais plot twists, que puxem mais pela cabeça. É que pelo menos eu recuso-me a um dia envelhecer a emburrecer!

13 comentários:

  1. E é o que eu digo, ou tento dizer.. reflexo de água, clarissímo. ;)

    Anónyma.

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  2. Não vejo novelas. Quando era mais nova vi. Portanto, os clássicos brasileiros. Depois deixei-me disso. Não sabia que a novela tinha terminado, nem qual tinha sido o seu final, mas pelo que li aqui, fiquei surpreendida pela positiva. Pela primeira vez alguém resolveu inovar. Aplaudo isso.
    Quanto às criticas, estamos a falar de um povo que prefere ir ao cinema ver filmes "light", com finais fáceis de entender e que deixam filmes mais complexos para o lado, "ai tal, porque pensar custa muito. E se o final não for aquela coisa fácil de entender e se não for feliz, ou muito triste, não foi bom.". Estamos a falar das pessoas que os seus livros de cabeceira são livros de leitura fácil e com finais fechados, com plots básicos, sem dar muito que pensar ou se der que seja uma reflexão fácil, nada de muito complexo, que isso custa e ter de racionalizar o que lemos e vemos dá trabalho e é complicado. Ainda assim e com todas estas criticas, acho muito bem que a cultura seja cinematográfica, literária, de novelas e etc continue. Pelo menos as artes não morrem.
    Agora, já tentar introduzir novos conceitos e coisas alternativas, parece-me complicado e complexo demais para algum deste Portugal.

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    1. É isso mesmo que tu dizes. É de aplaudir este arrojo, estas inovações. A TV devia servir também para "educar" as pessoas, para lhes passar alguma cultura, mas regra geral isso não acontece. Quando acontece, começa o bota-abaixo tuga. Pensar faz bem, mas infelizmente muita gente prefere manter-se formatada para aquilo e só aquilo :/

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  3. Apoio tudo o que escreveste.
    Também não vejo novelas. Já não vejo televisão at all (a única coisa que vejo são filmes, já que são dos poucos que nos deixam a pensar).
    Vi algumas novelas quando era miúdo. A única que me lembro bem é "Ninguém Como Tu" com Sodôna Alexandra Lencastre. O final também foi um pouco inovador, já que a história seguia a vilã, em vez dos bonzinhos. Mas é claro que os bons ficaram com o final feliz e o cliché repetiu-se.

    Tenho pena que a nossa televisão seja tão má. Eu achava que só o pessoal acima dos 40 anos é que papava esse lixo para derreter cérebro. Mas não. O pior é quando descubro amigas minhas (com 20 anos) empolgadíssimas a comentar o que se passou nas galas da Casa dos Segredos. Adoram quando se insultam uns aos outros e andam à galinhada lá dentro. E a TVI, claro, aproveita e já vem aí mais uma remessa de Secret Story para saciar a sede da mente formatada deste povo. A mim não me apanham.

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    1. Aqui também se vê Casa dos Segredos. Partilho casa com mais 4 colegas e só temos uma TV cá em casa (mas o trabalho também não permite que sobre muito tempo para estar em casa a ver TV lol), de modo que vai-se tentando gerir os gostos e interesses. Às vezes estamos todos de acordo, outras vezes não, mas há que respeitar. E só com uma TV, o comando não é monopolizado por ninguém e vai-se gerindo da melhor forma possível. Pelo que muitas vezes acabo por ver a Casa dos Segredos, mas se a primeira vez ainda se consegue ver alguma piada naquilo, agora já só está no ponto do enjoo... Já não há paciência!

      A TV portuguesa necessitava de uma revolução de programação. De manhã talk-shows para reformados, depois telejornal, a seguir uma ou duas novelas, depois mais talk-shows para reformados, seguem-se mais novelas, telejornal às 20h e depois novelas até à meia-noite. Ao fim-de-semana, leva-se com as festinhas de todas as terriolas deste país, com cantores pimba em playback e conversa de encher chouriços. Mas isto é alguma coisa??? O mal disto tudo é que essas merdas têm audiência - basta ver que a SIC só começou com a coisa das festas nas terriolas bem depois da TVI, porque viu que a receita funcionava. Só que as gerações vão mudando... E a malta que está actualmente dos 40 para baixo já não é de papar esse tipo de programação (quer dizer, no interior profundo do nosso país, se calhar papam). Portanto mais dia menos dia isto vai ter de mudar, porque as gerações mais novas já não passam cartucho à TV por causa precisamente deste tipo de programação. As gerações mais novas começam a ter outro nível de formação, outro tipo de cultura, outro tipo de acesso a conteúdos... A TV tem que começar a inovar, ou tem os dias contados...

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  4. nao vejo novelas há anos... quando era pequena via mt novelas brasileiras, agora nem isso... dizem k a tvi ate tem novelas boas com bons actores mas nunca vi nenhuma. é coisa que já não me chama.
    quando vejo tv agora dedico-me aos filmes ou series... graças a deus há tv alem dos 4 canais.. novelas, programas do goucha, programas da fatima lopes, secret story, programas de ídolos ou danças ou la o que é....enfim, acho que a minha avó "papa" isso tudo... é como dizes e é verdade, as pessoas abaixo dos 40 não perdem tempo com a tv portuguesa, mas também, não são esses que têm tempo para ver tv não é? ou é o trabalho, ou os filhos, ou a casa.... a tv é feita para os reformados ou para os "labregos" da santa terrinha.
    Basta teres um mínimo de cultura para teres interesse noutro nível de programação... mas Portugal tem mais pimbalhada do que gente formada.

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    1. Esse é o cerne da questão. Actualmente temos as gerações mais qualificadas de sempre em Portugal. E mesmo o nível de cultura é outro, porque há um outro acesso às coisas que não havia há uns anos atrás. Contudo, a programação dos canais generalistas continua muito focada na pimbalhada... É triste...

      No que toca aos programas que referiste... Há programas que, na sua génese, têm valor. Como é o caso do Ídolos, do X Factor, do The Voice, do So You Think You Can Dance, etc. A questão é que a adaptação do formato no nosso país fica muito aquém... A começar normalmente pelo júri (no caso do The Voice, o júri era composto por Anselmo Ralph e Mickael Carreira, que nem merecem comentário... pelo Rui Reininho, que anda nisto há muitos anos mas é um queimado de primeira... e pela Marisa Liz, a única que a meu ver se safava...)... Programas que até têm valor mas que depois o formato português deita tudo a perder... Já para não falar que depois não se investe nesses artistas. Alguém sabe o que é feito do gajo que ganhou o So You Think You Can Dance PT? O que é feito da Sofia Barbosa que ganhou a 1ª Operação Triunfo? São programas que apenas proporcionam aquele boom inicial, mas que depois permitem que os artistas caiam no esquecimento...

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  5. Sério? A história da novela inteira não passou de um livro que um doente mental internado escreveu incluindo como personagens os colegas? Ahahahahah...muito bom. :D Não fazia ideia, mas parece-me muito bem que se comece a mudar aos poucos o que se vê na tv.
    Quanto a novelas, também não é programa que me chame muito a atenção, mas de vez em quando lá apanho uma ou outra que goste. Das novelas portuguesas que vi realço duas, precisamente pela diferença nas histórias, por não haver só dessas histórias de amor perfeitas, por terem tido finais diferentes desses clichés típicos, por pormenores nalguns casos até um pouco surreais que me cativaram, por serem divertidas e fazerem rir mais do que chorar, etc. São elas "Ninguém como tu" e "Remédio Santo". Das brasileiras adorei ver "Chocolate com Pimenta" e "Andando nas Nuvens". :)
    beijinho

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    1. A sério, foi mesmo ao género de Shutter Island :D
      Foi um plot twist completamente ousado para uma novela!
      Espreita no Youtube, deves encontrar algum vídeo do último episódio e vê os últimos 10 ou 15 minutos ;)

      Como não sou espectador de novelas, os nomes que referiste não me dizem nada loool xD mas se tiveram finais fora dos clichés, óptimo, é sinal que já se vai inovando nessa área!

      Beijinho

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    2. Se quiseres espreitar (como já viste o filme Shutter Island - disseste quando falei aqui sobre o filme - vais reconhecer uma certa semelhança lol):

      https://www.youtube.com/watch?v=Gk4pTwFs8Xc

      Vê a partir dos 48min ;)

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    3. Epá, espectacular. :) :) Então aquele pormenor de ele riscar a palavra FIM e continuar a escrever e depois a ver-se outra vez a história como ele a está a imaginar, bem altamente. Muito, muito bom. Já estou a imaginar o choque das pessoas que andaram meses a seguir uma história para depois perceberem o seu significado. E depois estou mesmo a ver que a maioria delas nem percebeu o que aquilo queria dizer. Às tantas pensaram que tinham todos ficado mesmo malucos depois daquela história. Ahahahahaha Faz-me lembrar o programa "Último a Sair". Conheci muitas pessoas que diziam que não gostavam e depois eu acabava por perceber que só não gostavam porque não tinham entendido o objectivo principal do programa. LOL
      beijinho

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    4. Muito bom, não é? :)
      Basicamente o raciocínio dele terá sido "não posso acabar a história morrendo, quero viver o amor da minha vida", e é quando ele risca a palavra "fim" e dá continuidade à história dele.
      Foi um final muito criativo e ousado para uma novela. Mas acredito que muita gente não terá gostado, precisamente porque não percebeu :P

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